14.11.10

Juiz iluminado

O artigo de um juiz, publicado em jornal de grande circulação, é de causar emoção nas almas mais insensíveis. Seu artigo diz o seguinte:


"Indaga-me, jovem amigo, se as sentenças podem ter alma e paixão. O esquema legal da sentença não proíbe que tenha alma, que nela pulsem vida e emoção, conforme o caso.

Na minha própria vida de juiz senti muitas vezes que era preciso dar sangue e alma às sentenças.

Como devolver, por exemplo, a liberdade a uma mulher grávida, presa porque trazia consigo algumas gramas de maconha, sem penetrar na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana?

Foi o que tentei fazer ao libertar Edna, uma pobre mulher que estava presa há oito meses, prestes a dar à luz, com o despacho que a seguir transcrevo:

A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si. Mulher diante da qual este juiz deveria se ajoelhar numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo, com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade... Quando pílulas anticoncepcionais, pagas por instituições estrangeiras são distribuídas de graça e sem qualquer critério ao povo brasileiro... Quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas... Quando se deve afirmar ao mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da terra e não reduzir os comensais. Quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.

Este juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus. Saia com seu filho, traga seu filho à luz. Porque cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, e algum dia cristão.

Expeça-se incontinenti o Alvará de Soltura."


(Por  Meritíssimo Juiz João Batista)

Herkenhoff, livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo.






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