Lendo a uma entrevista do professor Hermógenes, 86 anos, ouvi uma palavra inventada por ele que me pareceu muito procedente: ele disse que o ser humano está sofrendo de normose, a doença de ser normal. Todo mundo quer se encaixar num padrão. Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar.
O sujeito "normal" é magro, alegre, belo, sociável, e bem-sucedido. Quem não se "normaliza" acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento.
A pergunta a ser feita é: quem espera o que de nós? Quem são esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto poder sobre nossas vidas? Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à sua porta exigindo que você seja assim ou assado.
Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha "presença" através de modelos de comportamento amplamente divulgados.
Só que não existe lei que obrigue você a ser do mesmo jeito que todos, seja lá quem for todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo.
A normose não é brincadeira. Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e a ânsia de querer o que não se precisa. Você precisa de quantos pares de sapato? Comparecer em quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar?
Não é necessário fazer curso de nada para aprender a se desapegar de exigências fictícias. Um pouco de auto-estima basta.
Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo.
Criaram o seu "normal" e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante.
O normal de cada um tem que ser original.
Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais.
Eu simpatizo cada vez mais com quem nos ajuda a remover obstáculos mentais e emocionais, e a viver de forma mais íntegra, simples e sincera.
Por isso divulgo o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bem mais autênticos e felizes.
É a velha e maior doença do ser humano: querer ser amado. E não só querendo seguir um padrão, mas também querendo fugir dele. Atente pro final do texto em que ela fala que as pessoas que mais admiramos são as originais. Para ser admirado (amado) é preciso ser diferente. Para ser diferente é preciso, também, um padrão. É ilusão achar que devemos seguir a risca o que ‘desejamos’ ser sem ficar aprisionado ao que o outro espera de nós. É no lugar em que o sujeito tenta articular seu desejo que ele depara com o desejo do Outro. O sujeito é um ser da linguagem exatamente porque está submetido ao Outro – e aí coloco Outro com maiúscula, a partir da teoria lacaniana, que representa o que chamamos o ‘grande outro’, ou seja, o outro a quem nos referenciamos por ser aquele que nos ofereceu o campo da linguagem para que possamos nos constituir como sujeito ‘único’ diante daquele com quem tanto nos importamos, amamos e queremos ser amados. É a pura contradição do próprio neurótico. A militância do amor do neurótico, ouso dizer, é sua neurose por excelência. É o que nos faz ficar na corda bamba, ficar na dúvida, se inserir na lógica de uma economia que é psíquica. Excelente quando ela pergunta: ‘quem espera o quê de nós?’, porque a pergunta eterna do neurótico é: ‘o que o outro quer de mim?’ e é importante o analista escutar algo do tipo: ‘quem – em mim – quer o quê de mim?’ Complicadinha essa construção, né? Mas é por aí. Isso me fez lembrar de uma música do Lulu Santos que diz assim:
retirante do amor
desempregado do coração’
(Por Flávia Albuquerque – psicanalista)
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